Genoíno, Dirceu e as tristes ironias históricas

Por Alessandra Verch.

Hoje, ontem, anteontem, o assunto foi o mesmo: a prisão dos envolvidos no escândalo do “mensalão”. A mágoa e a felicidade extrema passam uma sobre a outra nas redes sociais, mas o irônico é que estes sentimentos antagônicos, expostos de forma ora dramática ora violenta, não parecem se relacionar com a prisão de funcionários públicos envolvidos em um esquema de corrupção… Parecem, sim, vinculados a paixões e ódios já históricos.

De um lado, centenas de pessoas comovidas e tristes com um julgamento “injusto” que culminou não apenas com a prisão de funcionários e ex-funcionários públicos, mas com a prisão de “políticos queridos do PT”. Injusto, pois segundo estas, um julgamento sem provas concretas não dialoga com os anseios de justiça que a modernidade tanto preza. Prazos irregulares, nenhuma prova material e muitos indícios e presunções culminaram com a prisão de militantes honrados que dedicaram parte significativa de suas vidas lutando contra a ditadura e para construir a democracia brasileira, como José Genoíno e José Dirceu, afirmam muitos.

De outro lado, igualmente centenas de pessoas em festa celebrando uma das primeiras condenações de políticos brasileiros. Mas não só isso, celebrando o fato da Justiça brasileira ter ratificado um sentimento que lhes era antigo, o de que “o PT não presta” e “os Petralhas receberam o que mereciam”. Se justo ou injusto, pouco importa. Afinal, a vontade de vê-los preso é mais antiga que o próprio escândalo, sequer queriam que chegassem à presidência, lá terem ficado durante três mandatos é algo que não conseguem aceitar. Enquanto uma parte significativa e desequilibrada destes clama por mais, por paredão, pelo extermínio “de todos os petralhas”, outros se  regozijam com a imagem que tem do sistema carcerário brasileiro que agora ganha “petralhas que merecem ser presos em celas superlotadas e insalubres, com latrinas imundas, comida deplorável, água fria para a higiene” e etc.

Pelo menos duas narrativas para um mesmo fato.

Durante toda a história do Brasil pós-colonização convivemos com as mais sórdidas práticas políticas e sociais, desde matanças indígenas e escravidão, passando pelas oligarquias, pelo coronelismo e pela ditadura militar e suas sempre deploráveis formas de fazer política. Vieram quase uma dezena de Constituições, milhares de leis, dezenas de governos e pouquíssima democracia. São 25 anos de democracia desde 1988, antes disso um e outro hiato democrático na história do Brasil. Ou seja, possuímos pouca cultura democrática. Os valores democráticos ainda são bastante jovens e ainda não penetraram plenamente no tecido social. Exemplo disso é que parte significativa da população ainda não compreende a bestialidade da afirmação “direitos humanos para humanos direitos”. Mesmo assim conseguimos desfrutar de 25 anos democráticos ininterruptos. São 25 anos em que podemos emitir nossa opinião, votar, ser votados, nos expressar sem medo de censuras e lutar pelo que julgamos correto sem medo de ser preso por isso.

E não consigo deixar de ver uma certa ironia perversa neste momento histórico que vivemos. A ironia perversa está em um fato inquestionável: os políticos presos são os mesmo que lutaram pela democracia brasileira. Isso é inegável, não é um dado subjetivo ou uma representação emocional de seus familiares. Eles, de fato, lutaram para que superássemos uma história calcada na exclusão, na desigualdade e na ausência de direitos. A ironia perversa não está na suposição de injustiça ou justiça desse momento, mas no fato de que os primeiros políticos a serem julgados, condenados e presos por seus crimes são aqueles que tanto lutaram para que isso um dia ocorresse. E jamais saberemos quais das narrativas ou versões é a verdadeira, se Genoíno e Dirceu merecem as penas imputadas a eles, nem tampouco se são, de fato, responsáveis pelos crimes que foram julgados e condenados.

À parte das tantas bobagens que circulam por aí, pessoas clamando pela volta da ditadura, pedindo “paredón aos petralhas” e etc., dois desdobramentos distintos podem ser evidenciados, um positivo e outro negativo. O desdobramento positivo é a Lei e a Justiça valendo para políticos também, e em se tratando de nossa histórica dificuldade de punir políticos corruptos isso seria um avanço. O desdobramento negativo ocorrerá se isso apenas significar o acréscimo de um P na lista da seleta população carcerária. Além de “putas, pobres e pretos”, os petistas.

Na dúvida de quais serão os desdobramentos futuros desse momento, vale sempre lembrar e reafirmar que em se tratando de Genoíno e Dirceu o passado não os condena e seus feitos e trajetórias não serão apagados. Cumpre a nós, agora, avançarmos a democracia e lutarmos pelo desfecho positivo.

Uma retificação, antes afirmei que jamais saberemos qual a versão dos fatos é a verdadeira, reavalio. Se Maluf, Sarney, Demóstenes Torres, os políticos envolvidos no “mensalão tucano”, entre outros tantos, não forem julgados por seus atos saberemos a verdade.

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